A Retórica Nua tem como principal função expor alguns de meus pensamentos, idéias e textos nem um pouco acadêmicos. O objetivo é a diversão e a liberdade"nua e crua" de se escrever qualquer coisa. Sejam Bem vindos e Boa Leitura!

terça-feira, 8 de abril de 2014

"Eu sei, mas não devia" de Marina Colasanti recitado por Antônio Abujamra no Provocações:


Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. 

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

segunda-feira, 31 de março de 2014

...mas que cheiro de naftalina!





         Caros cidadãos, eu quero agradecê-los para a maior invenção de 2014: a máquina do tempo.  Nesse ano devemos, literalmente, rasgar os livros historiográficos sobre o século XX e (re)vivenciarmos uma experiência antropológica sobre todas as ideologias do século passado. Sabe, sem tirar nem pôr... Mas vale até trocar de lado. Ou não?!?
      É cidadão...Nicolas Kristof, jornalista ganhador de dois prêmios Pulitzer escreveu: “o mundo precisa urgentemente de pensadores críticos (e bem informados)”! Sim, raciocínio crítico e informação estão em falta. Atualmente, ou até mesmo no século passado, o mundo reincorporou o zoroastrismo e voltamos ao eterno debate do bem contra o mal. Mas, nosso antagonismo está a cheira naftalina. A antiga naftalina que nossos pais e avos depositaram no armário durante a Guerra-Fria foi reaberto, simplesmente. É! Abrimos os velhos baús e voltamos a defender os “ismos” do passado. “Ah... Mas é passado recente!”... Pior ainda: o que aprendemos com todo o século XX? A lição não seria a desromantização dos “ismos” como o fascismo, o nazismo e o comunismo? Ambos foram ditaduras e pior: nenhum “ismo” acabou com a desigualdade e a corrupção.
       Não estou acusando as gerações passadas. Acusá-las seria desrespeitar todos os desejos e anseios de mudanças, medos e frustrações que vivenciaram antes e durante a Guerra Fria. Estou acusando a minha, a nossa geração: a geração pós-guerra fria. Estou nos acusando de falta de presentismo. Nossa geração apresenta dois fatos importantes para problematizar o século passado: uma perspectiva historicista e experimentalista. Nós sabemos de todos os processos de causas e conseqüências dos ‘ismos’ e mesmo assim somos reacionários, carentes de idéias e ideologias próprias de nosso tempo. Estamos, literalmente, nadando na naftalina.
       Mais uma vez cidadão, chamá-lo de reacionário não é ofensa, é fato. Além do mais, é um fato ingênuo. Agora vão dizer que acreditar em um sistema político-econômico, ou governo militar é a solução para TODOS os problemas... Sinceramente é muita ingenuidade! É uma ingenuidade amalgamada ao mito do sebastianismo (desde quando general presidente é sinônimo de honestidade administrativa?). Pronto agora esqueçamos a naftalina e chamemos a galera da arqueologia: “Por favor, tragam o carbono-14!”     
      Pensarmos e endeusarmos um salvador da pátria, ou um modelo de governo “perfeito” é fugir de nossas responsabilidades reflexivas e democráticas. É muito fácil copiar e colarmos ideologias sem problematizá-las. É inocência política e social termos apenas uma visão ideológica e uma formula certa contra a corrupção.  A ideologia deve ser desprendida totalmente de uma referencia totêmica e a História já provou, muitas vezes, que ideologias dualistas (bom VS. ruim) causam uma patologia social grave: a falta de alteridade. (Jango e Celso Furtado que o digam!)  
       Imaginem se presenteássemos com nossa máquina do tempo os milhões de alemães e italianos que vivenciaram a experiência nazista e fascista. O mesmo falo aos milhões de pessoas que vivenciaram uma ditadura comunista. Será que eles fariam, exatamente, o mesmo? Será que nossa geração precisa, mesmo, (re)aprender as conseqüências do pior jeito? Hannah Arendt, uma filósofa alemã gritou a todos os cantos do século XX: "O mais radical revolucionário tornar-se-á um conservador no dia seguinte à revolução". Pena que não foi ouvida!
         Sinceramente, se é para sermos reacionários, pelo menos, sejamos menos "ovelhinhas" e mais humanistas críticos e democráticos.
             
            "A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos"


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A voz silenciada de Jango


QUEM EU SOU?


Uma espécie de Vasco da Gama da política eleitoral brasileira. Tive uma história linda, de vitórias, de defesa da classe trabalhadora e de luta pela liberdade. Vice por duas vezes consecutivas, acabei rebaixado por um golpe civil-militar em 1964 e nunca mais voltei a ser o mesmo. 









VAI DEVAGAR QUE SINTO CÓCEGAS:


Achei que as notícias sobre a exumação (prevista para 13/11/2013) do meu cadáver deixariam a nação de joelhos, paralisada, à espera dos próximos acontecimentos. Não se trata de imodéstia. As circunstâncias da minha morte e tudo que ela envolve são mais interessantes do que a maioria das novelas e seriados à la mode. Imaginei que pelo menos os fãs de House of Cards e The Walking Death demonstrariam algum interesse. Se alguma revelação vier a público no mesmo dia em que, por exemplo, um Pato qualquer perca um pênalti, creio que a repercussão não passará de alguns retuítes. Eu terei sido submetido a cócegas com luvas de látex por nada.
O episódio fica mais interessante com os personagens ao redor da trama principal. Chamaram um perito cubano em exumações. O mesmo sujeito que exumou Che Guevara. Passei minha carreira política inteira tentando convencer os brasileiros de que não era comunista. Aí vão me exumar e chamam um cubano? Que beleza, heim, camaradas? O PCB não teria feito melhor. Ah, e espero que ele não seja hostilizado no aeroporto nem seja forçado a se exilar em minha cova. Aliás, cabe a pergunta: não há peritos no Brasil? Pelo jeito, o governo está precisando criar, também, o programa Mais Exumadores.
Apesar da concorrência desleal com os concursos de Miss Bumbum e a reta final do brasileirão, penso que a exumação significa uma chance de volta à mídia. Tinha uma carreira promissora nos anos 1960, mas fiz escolhas erradas. Em primeiro lugar, em 1961, quando Jânio renunciou, deveria ter fingindo que não era comigo e ficado comendo uns yakissobas com o Mao na China. De repente, teria criado por lá uma estatal chinesa da construção civil, a Reforma de Bases S.A, ou a Trienal S.A junto com o Celso. Enterraríamos a concorrência e estaríamos em tudo quanto é loja de piso no mundo hoje em dia.
Mas o que mais me arrependo é do Comício da Central. Foi um erro de planejamento estratégico, vulgo: calor do momento. Pra começo de conversa, falando em exumação de cadáver, o Serra, então presidente da UNE, discursando, só podia ser um mau agouro. Além disso, deveria ter colocado uns artistas se apresentando. Uns medalhões da MPB pros coroas, um Teatro Mágico da vida pra galera mais jovem e até uns padres cantores ou umas atrações da música gospel. Quem sabe não era uma maneira de impedir o toque alto do clarinete. Com sorte seria o suficiente pra evitar a Marcha da Família com Deus pela Liberdade e algumas cócegas. 

Aos queridos: Celso Furtado, Knijnik e Cal.

Assinado: JanGO§

Muito mais além do Cidadão Kane


Enquanto a Rede Globo chama a "Ley de Medios" da Argentina de autoritária e o fim da liberdade de expressão, o mundo aplaude a atitude da Suprema Corte argentina: "O próprio Relator Especial sobre Liberdade de Expressão da Organização das Nações Unidas (ONU), Frank La Rue, já reconheceu que a nova legislação é uma das mais avançadas do planeta e visa garantir exatamente a verdadeira liberdade de expressão, que não se confunde com a liberdade dos monopólios midiáticos."
Já no Reino Unido, dois anos após o escândalo que fechou o jornal "News of the world", de Robert Murdoch, Elisabeth II assinou na quarta-feira (30/10/2013) um decreto real em que ratifica a criação de uma instância administrativa de fiscalização da mídia. As novas regras, na terra da rainha, são um desdobramento do inquérito que apurou as práticas ilegais do jornal de Murdoch, como grampear e corromper funcionários públicos em busca de informações exclusivas.
Já aqui nas terras tupiniquins os políticos continuarão autorizados a controlar os meios de comunicação, em geral associados à Rede Globo, cujos tentáculos se espalham cada vez mais por todos os setores da mídia e do entretenimento, em completo desrespeito à Constituição de 1988 (os artigos 220, 221, 222 e 223).

Na Argentina, a Corte Suprema acaba de decretar o fim dos oligopólios. Ou melhor, do monopólio do grupo Clarín, dono de 25 licenças de rádio e tevê e 237 canais de tevê por assinatura. Os magistrados consideraram legal a "Lei de Mídia" aprovada em 2009 pelo congresso argentino, sob a bênção de Cristina Kirchner. As novas regras limitam o número e o aumento das concessões. Nenhum grupo midiático poderá ter mais de dez licenças ou alcançar além de 35% da população. Emissoras públicas e de movimentos sociais serão, ainda, reforçadas. Os donos da Clarín, solidariamente apoiados por seus congêneres no Brasil (advinham quem?), prometeram recorrer a Cortes internacionais. Por aqui, em terras tupiniquins, os barões da mídia não precisam chegar a tanto. Basta alegarem em rede nacional que a "Ley de Medios" é: "chavismo", "autoritária", "ultraje a liberdade de expressão" e assim por diante... Dessa forma, tá tudo resolvido, né?

Fontes: 


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

DESMITIFICANDO OS VOTOS NULOS E BRANCOS


Durante as eleições dá para perder a conta da quantidade de “posts” recebidos pelas redes sociais incentivando a população a votar nulo por ser a única salvação da humanidade ou trazendo em primeira mão aquela informação bombástica que a imprensa oculta, certamente por ter pacto com o Belzebu, sobre a “verdade do voto em branco e o voto nulo”. As leis eleitorais são pouco conhecidas até mesmo por advogados e estudantes de Direito, já que direito eleitoral não entra na grade curricular da maioria das faculdades, facilitando ainda mais a propagação de correntes que só confundem os eleitores. 
Para piorar, depois de tanto tempo repetindo as mesmas mentiras, as pessoas passaram a acreditar nelas. É só falar sobre voto em branco ou voto nulo que já aparece alguém repetindo o conteúdo das malogradas correntes.

“Voto em branco vai para quem estiver ganhando…” 

A brincadeira esconde um ótimo conselho. Quem nunca recebeu algo pelas redes sociais ou ouviu alguém lhe dizendo para não votar em branco, por que esse voto iria para quem estivesse ganhando as eleições? 
Esqueceu das aulas de História? Vou então lembra-los: essa é uma informação proveniente da época em que o voto ainda era feito pela cédula de papel. Naquela época, era possível deixar a cédula de votação em branco. Com a cédula em branco, na hora da contagem de votos, era muito fácil alguém marcar um voto para um candidato qualquer, sem que o dono a cédula sequer tivesse conhecimento do fato. 
Para evitar então que fosse inserido um voto qualquer em sua cédula, os eleitores rabiscavam ou escreviam qualquer coisa – geralmente xingando o candidato – na cédula, anulando seu voto. Desta forma, não seria possível que alguém inserisse um voto aleatório naquela cédula de votação. Daí surgiu a ideia de que era melhor anular o voto do que deixar a cédula em branco, para não correr o risco de seu voto ser utilizado indevidamente. 
Hoje em dia, com a urna eletrônica, não há mais essa possibilidade de adulterar o voto em branco (não vou entrar aqui na discussão sobre a segurança da urna eletrônica). Portanto, votar em branco ou votar nulo é praticamente a mesma coisa, ambas atitudes resultam na invalidação do voto.
O voto em branco não vai para nenhum candidato, ele é considerado inválido. Simples assim. 

“Votar nulo: a solução para nossos problemas!” 

A ironia é que votar nulo só contribui para a palhaçada... Outra informação muito divulgada nos períodos eleitorais é a de que, havendo a metade mais um dos eleitores votando nulo, o pleito é anulado e todos os candidatos daquela eleição devem ser substituídos. Esse mito provavelmente tem fruto em alguma confusão na hora de interpretar o art. 224 do Código Eleitoral: “Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos (…) o tribunal marcará dia para nova eleição (…)”. 
Ao ler este artigo sem levar em consideração todo o conjunto, a impressão que se tem é de que, realmente, havendo maioria de votos nulos haverá nova eleição. 
Mas este não é o caso. A nulidade deste artigo tem relação com as causas de nulidade da votação (arts. 220 e 221 especialmente), como, por exemplo, cédula falsa, votação feita fora do horário ou dia estipulado etc. Tal nulidade (do art. 224) não tem nenhuma relação com os votos nulos ou brancos por manifestação apolítica do eleitor – leia-se aqui apertar a tecla “branco” ou colocar números de candidatos que não existam, na urna eletrônica. Não existe qualquer revisão de que havendo a maioria de votos nulos/brancos a eleição será refeita. 
Portanto, por mais que aquelas campanhas mirabolantes repassadas pelas redes sociais atingissem seus objetivos, não haveria novas eleições ou substituição dos candidatos.
Atenção: votos brancos e nulos ajudam o candidato mais popular! Uma informação importante, e que deveria ser de conhecimento de todos, é a influência dos votos nulos e brancos nas eleições para Presidente, Governador e Prefeito.
Para aqueles que não sabem, o segundo turno das eleições acontece quando um candidato não obtém metade mais um de todos os votos válidos. Ocorre que os votos em branco e os votos nulos são considerados inválidos; portanto, não são computados para o cálculo da maioria nas eleições dos cargos que citei acima. Por exemplo, se eu tenho 100 eleitores e todos eles votam em algum candidato, ou seja, não há votos nulos/brancos, o candidato que obter 51 votos (50% + 1) ganhará logo no primeiro turno. Agora, se dos 100 eleitores, 10 votaram nulo ou em branco, temos apenas 90 votos válidos, ou seja, o mesmo candidato precisará de apenas 46 votos para ganhar e não haver segundo turno.
Por isso, quando você for votar, lembre-se que ao votar nulo ou em branco no primeiro turno você aumentará a chance do candidato preferido vencer logo no primeiro turno. Independentemente do candidato para quem votar, propiciar a existência de um segundo turno é de interesse de todos, já que há maior tempo para amadurecimento do processo eleitoral e para os candidatos exporem seus respectivos planos de governo. 


Vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=9k_pjyTg7J8
fonte:http://papodehomem.com.br/voto-nulo-e-voto-em-branco-o-que-realmente-e-verdade/

sábado, 17 de março de 2012

Quem tem medo da liberdade?



Nascemos livres. Entretanto, a sociedade e nós mesmos criamos enumeradas cadeias e limitações para nós. Mas, dentro de nós, dependendo de nossa própria vontade, podemos ser “livres”, mesmo que aprisionados por grilhões sociais ou imaginários.
Se a palavra "liberdade" é uma ânsia tão profunda de nosso léxico e ser, ela não significa como tantos pensam, fazer qualquer coisa, como, quando e onde quiser. Isto tem um nome: licenciosidade (ou libertinagem!).
A liberdade liga-se ao poder de decisão, de escolha. Este é o bem que não conseguimos admitir que alguém nos tire.
Todos temos um projeto fundamental de vida e queremos ser livres para realizá-lo. É nesta execução que exercitamos a liberdade porque o caminho sempre terá percalços, encruzilhadas etc. que nos obrigará a renúncias, em outras palavras, nos dará um número incontável de oportunidades de "decidir" o que fazer para perseguirmos nossos ideais.
Parece contraditório, mas muitos de nos tememos a liberdade. Não sabemos o que fazer com ela. Preferimos, muitas vezes, sermos escravos. Isto pelo fato do outro lado da moeda nos exigir a tão temerosa palavra: "responsabilidade". A Liberdade é um espaço de vida e ao mesmo tempo um espaço em branco, onde devemos agir, querer, pensar, realizar. E isto assusta!
Devemos lembrar que o sentido mais profundo da questão da liberdade é que, se ela não existisse, o homem se misturaria com a natureza, não se diferenciando das demais coisas, pois estaria inteiramente submisso ao determinismo. Ser-sujeito é ser-livre: somente com base nesta idéia é que se pode entender a liberdade da ação humana.
O homem pertence a si mesmo, é um “eu”, uma pessoa; por conseguinte, só pode ser compreendido como autônomo, com certa independência de ser.
É lógico que não existe e nem pode existir uma liberdade absoluta, porque o sujeito não é uma subjetividade isolada: o “eu” se põe em relação, existe, é intencional, é situado. Como auto-afirmação, o “eu” é a possibilidade do ser.
Sartre exprime a prioridade da ação humana e, portanto, sua liberdade pela caracterização do existencialismo: “A existência precede a essência”. O filósofo não deixa de ter razão, pois o homem não é uma coisa e, portanto, há uma prioridade de sua subjetividade, que implica, logicamente, na liberdade e no livre-arbítrio.
Para Sartre o mundo real da liberdade se distingue do mundo sonhado. Principalmente, porque toda fixação livre de fins realiza-se numa situação particular e toda escolha se faz em função de certo passado. O sujeito, como liberdade, só ocorreria, pois, envolto em uma determinada “facticidade”, que representa as limitações para o projeto de vida.
Ser livre, nem sempre significa “alcançar” o ideal, mas auto-determinar para querer e escolher. Daí se conclui que Sartre concebe o sujeito como intencionalidade, assim como livre os seus projetos, execuções e ações.
Toda escolha é uma “decisão” (sic!!!) sobre opções diversas dentro de certas circunstâncias. A ação livre do homem, significa que ele sabe o que faz, supõe que esta ação precede de uma decisão.
Agir humanamente implica agir com liberdade, assim ela vai nos aparecer, também, como dever, algo que, de qualquer forma, deve ser conquistado para que sejamos plenamente humanos.
Para relembrarmos, então, da forma que já colocamos anteriormente, o “eu” é liberdade, rompendo com o determinismo, enquanto nada “determina” a sua ação como “humana”.
Aliás, o homem só pode realizar a sua humanidade quando luta para se desfazer do peso de qualquer “facticidade” que o escravize. A história da conquista da liberdade é eterna porque sempre uma forma de libertação faz surgir novas formas de escravidão.
Para Marx o trabalho é o que faz o homem ser homem. Isto acontece de fato, exatamente porque é no trabalho que o homem torna sua atividade objeto de sua consciência e vontade.
Contudo, a tecnocracia, característica de nossos dias, é uma série ameaça à liberdade. A técnica é um bem “em si” para o homem, mas a tecnocracia o escraviza. Ao escrevermos sobre ela, Heidegger nos alertou sobre o “esquecimento do ser”. A mentalidade tecnocrática cria novas formas de escravidão. E, como vivemos em uma sociedade tecnocrática, este é um tema que merece bastante reflexão (mesmo às 6 a.m). Até onde a técnica está ao nosso favor? Se os meios de produção da própria técnica estão nas mãos de poucos, até onde seremos realmente livres? Mudar, entretanto, o poder de mãos não significa, necessariamente, liberdade, como pensava Marx, porque as novas mãos podem ser de indivíduos também sequiosos por poder, sem sentimento de fraternidade. A liberdade, portanto, em nosso ponto de vista, só pode ser exercida pelo afeto.
Gostaríamos de concluir essa divagação (agora matutina) com um “grito” de Tarkovski que iniciou tudo isso: “Ai de nós, a tragédia é que não sabemos ser livres - pedimos para nos mesmos, em detrimento dos outros, e não queremos renunciar a nada de nós em prol do outro: isso significa usurpar nossos direitos e liberdade pessoais. Hoje, todos nós estamos contaminados por um egoísmo extraordinário e isso não é liberdade: liberdade significa aprender a exigir apenas de si mesmo, não da vida dos outros, e saber como doar: significa sacrifício em nome do amor.”

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Odes a Allen Ginsberg: o des(uivo) nacional.

Eu vejo os expoentes da minha nação sendo destruídos  pelo vírus da "sertanejite". Vejo-os deitados, levados pelas melodias de acordes básicos, tão simples, tão fácil... Tão comercial! As madrugadas sem os trompetes celestiais com o dínamo estrelado da maquinaria da noite, saem de cena para a falsa identidade sertaneja: botas nunca sujas de barro,  mãos (des)calejadas viajam sentadas em representações imaginarias do tão escuro baile de máscara  dos miseráveis  jovens que não sabem o que são, da onde vêem e muito menos: pra onde vão? Não há  água ardente, flutuando pelas gargantas. Não há identidade. Guimarães... Cunha... Por que tentaram retratar o sertão? Se o que  sobra do sertão não é mais contado em histórias populares. Tudo é como Canudos do século XXI: submerso.  Cérebros ao céu e anjos maometanos viram espasmos de diabos cambaleados por ruídos contínuos de bares, boates... Chapéus radiam o Interior que ninguém conhece, que não existe. Peões são expulsos das factualidades por serem poucos reais, menos humanos. São produzidos e consumidos. Cidadães repetem odes obscenas nas janelas do crânio, que se refugiam em baladinhas de pintura descascada em roupa de baixo queimando seu dinheiro em cestas de papel, escutando o Terror através da parede. Eles choram diante do romance das ruas com os seus carrinhos de mão cheios de cebola e péssima música. 
           
Desumanizados sentam nos degraus de granito do manicômio com cabeças tampadas de chapeis à peão e fala de arlequim sobre os "ão", exigindo lobotomia imediata. Não há, nunca haverá o novo! O vazio concreto da insulina metrasol do toque eléctrico da viola gera amnésia, que num protesto sem humor viraram apenas uma mesa simbólica da amargura, mergulhando logo a seguir a catatonia, voltando anos depois, realmente calvos com uma peruca de esporas, lágrimas e dedos para a visível condenação de (pseudo) neofílicos nas celas das cidades. Todos ficam agitando, rolando e balançando no banco da solidão à meia-noite dos domínios de mausoléu druídico do amor, o sonho da vida vira um pesadelo, corpos transformados em pedras tão pesadas quanto a lua e o último livro fantástico é atirado pela janela do cortiço.

A última porta é fechada às 4 da madrugada. O último telefone é  arremessado contra a parede em resposta e o último quarto mobilado esvaziado até à última peça de mobília mental, uma rosa de papel amarelo retorcida num cabide de arame do armário e até mesmo isso é imaginário, nada mais que um bocadinho esperançoso de alucinação —  ah, nação, enquanto tu não estiveres a salvo eu não estarei a salvo e agora tu estás inteiramente mergulhada no caldo animal total do desprezo —  e que por isso correram pelas ruas geladas obcecados por um súbito clarão da alquimia do uso da elipse do catálogo de rimas simplórias  que sonharam e abriram brechas encantadas no popular através de imagens justapostas que capturaram o arranjo da inutilidade do léxico e reuniram os verbos descartáveis e juntaram o substantivo e o choque de consciência saltando numa sensação de "Pater Omnipotens Aeterni Deus", para copiar a sintaxe e a medida da pobre prosa humana e ficar estagnados, mudos e trémulos de vergonha, rejeitados todavia, expondo a alma ignóbil, conformando-se ao ritmo do pensamento da sua cabeça nua e limitada,  conhecido mas mesmo assim deixado aqui o que houver para ser dito ao povo após o gozo. São todos reencarnados na roupagem fantasmagórica do novo espectro de violão dourado da banda musical que fazem soar o sofrimento da mente nua do Brasil pelo amor num grito de "ai ai" que fez com que as cidades tremessem até ao seu último rádio, com o coração absoluto do (des)uivo da vida arrancado para fora dos seus corpos bons para consumir por mais quinhentos anos o ruim.