A Retórica Nua tem como principal função expor alguns de meus pensamentos, idéias e textos nem um pouco acadêmicos. O objetivo é a diversão e a liberdade"nua e crua" de se escrever qualquer coisa. Sejam Bem vindos e Boa Leitura!

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

DESMITIFICANDO OS VOTOS NULOS E BRANCOS


Durante as eleições dá para perder a conta da quantidade de “posts” recebidos pelas redes sociais incentivando a população a votar nulo por ser a única salvação da humanidade ou trazendo em primeira mão aquela informação bombástica que a imprensa oculta, certamente por ter pacto com o Belzebu, sobre a “verdade do voto em branco e o voto nulo”. As leis eleitorais são pouco conhecidas até mesmo por advogados e estudantes de Direito, já que direito eleitoral não entra na grade curricular da maioria das faculdades, facilitando ainda mais a propagação de correntes que só confundem os eleitores. 
Para piorar, depois de tanto tempo repetindo as mesmas mentiras, as pessoas passaram a acreditar nelas. É só falar sobre voto em branco ou voto nulo que já aparece alguém repetindo o conteúdo das malogradas correntes.

“Voto em branco vai para quem estiver ganhando…” 

A brincadeira esconde um ótimo conselho. Quem nunca recebeu algo pelas redes sociais ou ouviu alguém lhe dizendo para não votar em branco, por que esse voto iria para quem estivesse ganhando as eleições? 
Esqueceu das aulas de História? Vou então lembra-los: essa é uma informação proveniente da época em que o voto ainda era feito pela cédula de papel. Naquela época, era possível deixar a cédula de votação em branco. Com a cédula em branco, na hora da contagem de votos, era muito fácil alguém marcar um voto para um candidato qualquer, sem que o dono a cédula sequer tivesse conhecimento do fato. 
Para evitar então que fosse inserido um voto qualquer em sua cédula, os eleitores rabiscavam ou escreviam qualquer coisa – geralmente xingando o candidato – na cédula, anulando seu voto. Desta forma, não seria possível que alguém inserisse um voto aleatório naquela cédula de votação. Daí surgiu a ideia de que era melhor anular o voto do que deixar a cédula em branco, para não correr o risco de seu voto ser utilizado indevidamente. 
Hoje em dia, com a urna eletrônica, não há mais essa possibilidade de adulterar o voto em branco (não vou entrar aqui na discussão sobre a segurança da urna eletrônica). Portanto, votar em branco ou votar nulo é praticamente a mesma coisa, ambas atitudes resultam na invalidação do voto.
O voto em branco não vai para nenhum candidato, ele é considerado inválido. Simples assim. 

“Votar nulo: a solução para nossos problemas!” 

A ironia é que votar nulo só contribui para a palhaçada... Outra informação muito divulgada nos períodos eleitorais é a de que, havendo a metade mais um dos eleitores votando nulo, o pleito é anulado e todos os candidatos daquela eleição devem ser substituídos. Esse mito provavelmente tem fruto em alguma confusão na hora de interpretar o art. 224 do Código Eleitoral: “Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos (…) o tribunal marcará dia para nova eleição (…)”. 
Ao ler este artigo sem levar em consideração todo o conjunto, a impressão que se tem é de que, realmente, havendo maioria de votos nulos haverá nova eleição. 
Mas este não é o caso. A nulidade deste artigo tem relação com as causas de nulidade da votação (arts. 220 e 221 especialmente), como, por exemplo, cédula falsa, votação feita fora do horário ou dia estipulado etc. Tal nulidade (do art. 224) não tem nenhuma relação com os votos nulos ou brancos por manifestação apolítica do eleitor – leia-se aqui apertar a tecla “branco” ou colocar números de candidatos que não existam, na urna eletrônica. Não existe qualquer revisão de que havendo a maioria de votos nulos/brancos a eleição será refeita. 
Portanto, por mais que aquelas campanhas mirabolantes repassadas pelas redes sociais atingissem seus objetivos, não haveria novas eleições ou substituição dos candidatos.
Atenção: votos brancos e nulos ajudam o candidato mais popular! Uma informação importante, e que deveria ser de conhecimento de todos, é a influência dos votos nulos e brancos nas eleições para Presidente, Governador e Prefeito.
Para aqueles que não sabem, o segundo turno das eleições acontece quando um candidato não obtém metade mais um de todos os votos válidos. Ocorre que os votos em branco e os votos nulos são considerados inválidos; portanto, não são computados para o cálculo da maioria nas eleições dos cargos que citei acima. Por exemplo, se eu tenho 100 eleitores e todos eles votam em algum candidato, ou seja, não há votos nulos/brancos, o candidato que obter 51 votos (50% + 1) ganhará logo no primeiro turno. Agora, se dos 100 eleitores, 10 votaram nulo ou em branco, temos apenas 90 votos válidos, ou seja, o mesmo candidato precisará de apenas 46 votos para ganhar e não haver segundo turno.
Por isso, quando você for votar, lembre-se que ao votar nulo ou em branco no primeiro turno você aumentará a chance do candidato preferido vencer logo no primeiro turno. Independentemente do candidato para quem votar, propiciar a existência de um segundo turno é de interesse de todos, já que há maior tempo para amadurecimento do processo eleitoral e para os candidatos exporem seus respectivos planos de governo. 


Vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=9k_pjyTg7J8
fonte:http://papodehomem.com.br/voto-nulo-e-voto-em-branco-o-que-realmente-e-verdade/

sábado, 17 de março de 2012

Quem tem medo da liberdade?



Nascemos livres. Entretanto, a sociedade e nós mesmos criamos enumeradas cadeias e limitações para nós. Mas, dentro de nós, dependendo de nossa própria vontade, podemos ser “livres”, mesmo que aprisionados por grilhões sociais ou imaginários.
Se a palavra "liberdade" é uma ânsia tão profunda de nosso léxico e ser, ela não significa como tantos pensam, fazer qualquer coisa, como, quando e onde quiser. Isto tem um nome: licenciosidade (ou libertinagem!).
A liberdade liga-se ao poder de decisão, de escolha. Este é o bem que não conseguimos admitir que alguém nos tire.
Todos temos um projeto fundamental de vida e queremos ser livres para realizá-lo. É nesta execução que exercitamos a liberdade porque o caminho sempre terá percalços, encruzilhadas etc. que nos obrigará a renúncias, em outras palavras, nos dará um número incontável de oportunidades de "decidir" o que fazer para perseguirmos nossos ideais.
Parece contraditório, mas muitos de nos tememos a liberdade. Não sabemos o que fazer com ela. Preferimos, muitas vezes, sermos escravos. Isto pelo fato do outro lado da moeda nos exigir a tão temerosa palavra: "responsabilidade". A Liberdade é um espaço de vida e ao mesmo tempo um espaço em branco, onde devemos agir, querer, pensar, realizar. E isto assusta!
Devemos lembrar que o sentido mais profundo da questão da liberdade é que, se ela não existisse, o homem se misturaria com a natureza, não se diferenciando das demais coisas, pois estaria inteiramente submisso ao determinismo. Ser-sujeito é ser-livre: somente com base nesta idéia é que se pode entender a liberdade da ação humana.
O homem pertence a si mesmo, é um “eu”, uma pessoa; por conseguinte, só pode ser compreendido como autônomo, com certa independência de ser.
É lógico que não existe e nem pode existir uma liberdade absoluta, porque o sujeito não é uma subjetividade isolada: o “eu” se põe em relação, existe, é intencional, é situado. Como auto-afirmação, o “eu” é a possibilidade do ser.
Sartre exprime a prioridade da ação humana e, portanto, sua liberdade pela caracterização do existencialismo: “A existência precede a essência”. O filósofo não deixa de ter razão, pois o homem não é uma coisa e, portanto, há uma prioridade de sua subjetividade, que implica, logicamente, na liberdade e no livre-arbítrio.
Para Sartre o mundo real da liberdade se distingue do mundo sonhado. Principalmente, porque toda fixação livre de fins realiza-se numa situação particular e toda escolha se faz em função de certo passado. O sujeito, como liberdade, só ocorreria, pois, envolto em uma determinada “facticidade”, que representa as limitações para o projeto de vida.
Ser livre, nem sempre significa “alcançar” o ideal, mas auto-determinar para querer e escolher. Daí se conclui que Sartre concebe o sujeito como intencionalidade, assim como livre os seus projetos, execuções e ações.
Toda escolha é uma “decisão” (sic!!!) sobre opções diversas dentro de certas circunstâncias. A ação livre do homem, significa que ele sabe o que faz, supõe que esta ação precede de uma decisão.
Agir humanamente implica agir com liberdade, assim ela vai nos aparecer, também, como dever, algo que, de qualquer forma, deve ser conquistado para que sejamos plenamente humanos.
Para relembrarmos, então, da forma que já colocamos anteriormente, o “eu” é liberdade, rompendo com o determinismo, enquanto nada “determina” a sua ação como “humana”.
Aliás, o homem só pode realizar a sua humanidade quando luta para se desfazer do peso de qualquer “facticidade” que o escravize. A história da conquista da liberdade é eterna porque sempre uma forma de libertação faz surgir novas formas de escravidão.
Para Marx o trabalho é o que faz o homem ser homem. Isto acontece de fato, exatamente porque é no trabalho que o homem torna sua atividade objeto de sua consciência e vontade.
Contudo, a tecnocracia, característica de nossos dias, é uma série ameaça à liberdade. A técnica é um bem “em si” para o homem, mas a tecnocracia o escraviza. Ao escrevermos sobre ela, Heidegger nos alertou sobre o “esquecimento do ser”. A mentalidade tecnocrática cria novas formas de escravidão. E, como vivemos em uma sociedade tecnocrática, este é um tema que merece bastante reflexão (mesmo às 6 a.m). Até onde a técnica está ao nosso favor? Se os meios de produção da própria técnica estão nas mãos de poucos, até onde seremos realmente livres? Mudar, entretanto, o poder de mãos não significa, necessariamente, liberdade, como pensava Marx, porque as novas mãos podem ser de indivíduos também sequiosos por poder, sem sentimento de fraternidade. A liberdade, portanto, em nosso ponto de vista, só pode ser exercida pelo afeto.
Gostaríamos de concluir essa divagação (agora matutina) com um “grito” de Tarkovski que iniciou tudo isso: “Ai de nós, a tragédia é que não sabemos ser livres - pedimos para nos mesmos, em detrimento dos outros, e não queremos renunciar a nada de nós em prol do outro: isso significa usurpar nossos direitos e liberdade pessoais. Hoje, todos nós estamos contaminados por um egoísmo extraordinário e isso não é liberdade: liberdade significa aprender a exigir apenas de si mesmo, não da vida dos outros, e saber como doar: significa sacrifício em nome do amor.”

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Odes a Allen Ginsberg: o des(uivo) nacional.

Eu vejo os expoentes da minha nação sendo destruídos  pelo vírus da "sertanejite". Vejo-os deitados, levados pelas melodias de acordes básicos, tão simples, tão fácil... Tão comercial! As madrugadas sem os trompetes celestiais com o dínamo estrelado da maquinaria da noite, saem de cena para a falsa identidade sertaneja: botas nunca sujas de barro,  mãos (des)calejadas viajam sentadas em representações imaginarias do tão escuro baile de máscara  dos miseráveis  jovens que não sabem o que são, da onde vêem e muito menos: pra onde vão? Não há  água ardente, flutuando pelas gargantas. Não há identidade. Guimarães... Cunha... Por que tentaram retratar o sertão? Se o que  sobra do sertão não é mais contado em histórias populares. Tudo é como Canudos do século XXI: submerso.  Cérebros ao céu e anjos maometanos viram espasmos de diabos cambaleados por ruídos contínuos de bares, boates... Chapéus radiam o Interior que ninguém conhece, que não existe. Peões são expulsos das factualidades por serem poucos reais, menos humanos. São produzidos e consumidos. Cidadães repetem odes obscenas nas janelas do crânio, que se refugiam em baladinhas de pintura descascada em roupa de baixo queimando seu dinheiro em cestas de papel, escutando o Terror através da parede. Eles choram diante do romance das ruas com os seus carrinhos de mão cheios de cebola e péssima música. 
           
Desumanizados sentam nos degraus de granito do manicômio com cabeças tampadas de chapeis à peão e fala de arlequim sobre os "ão", exigindo lobotomia imediata. Não há, nunca haverá o novo! O vazio concreto da insulina metrasol do toque eléctrico da viola gera amnésia, que num protesto sem humor viraram apenas uma mesa simbólica da amargura, mergulhando logo a seguir a catatonia, voltando anos depois, realmente calvos com uma peruca de esporas, lágrimas e dedos para a visível condenação de (pseudo) neofílicos nas celas das cidades. Todos ficam agitando, rolando e balançando no banco da solidão à meia-noite dos domínios de mausoléu druídico do amor, o sonho da vida vira um pesadelo, corpos transformados em pedras tão pesadas quanto a lua e o último livro fantástico é atirado pela janela do cortiço.

A última porta é fechada às 4 da madrugada. O último telefone é  arremessado contra a parede em resposta e o último quarto mobilado esvaziado até à última peça de mobília mental, uma rosa de papel amarelo retorcida num cabide de arame do armário e até mesmo isso é imaginário, nada mais que um bocadinho esperançoso de alucinação —  ah, nação, enquanto tu não estiveres a salvo eu não estarei a salvo e agora tu estás inteiramente mergulhada no caldo animal total do desprezo —  e que por isso correram pelas ruas geladas obcecados por um súbito clarão da alquimia do uso da elipse do catálogo de rimas simplórias  que sonharam e abriram brechas encantadas no popular através de imagens justapostas que capturaram o arranjo da inutilidade do léxico e reuniram os verbos descartáveis e juntaram o substantivo e o choque de consciência saltando numa sensação de "Pater Omnipotens Aeterni Deus", para copiar a sintaxe e a medida da pobre prosa humana e ficar estagnados, mudos e trémulos de vergonha, rejeitados todavia, expondo a alma ignóbil, conformando-se ao ritmo do pensamento da sua cabeça nua e limitada,  conhecido mas mesmo assim deixado aqui o que houver para ser dito ao povo após o gozo. São todos reencarnados na roupagem fantasmagórica do novo espectro de violão dourado da banda musical que fazem soar o sofrimento da mente nua do Brasil pelo amor num grito de "ai ai" que fez com que as cidades tremessem até ao seu último rádio, com o coração absoluto do (des)uivo da vida arrancado para fora dos seus corpos bons para consumir por mais quinhentos anos o ruim. 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Condições Condicionais Cotidianas


Minha querida, minha ficha caiu. Não pelo medo de nunca mais te ver. Não pelo fato de, após algumas décadas, eu utilizar a frase "na minha época" com ufanismo. Muito menos pelas horas que passarei observando as mudanças fisiológicas no espelho em determinado momento. A minha ficha caiu pela possibilidade do "se"Como seria "se" estivesse segurado mais a sua mão. E "se" a beijasse ainda mais? Como seria "se" estivesse usado mais os verbos "amar", "sorrir" e "agradecer" não apenas no pensamento, mas também em minhas ações. Como seria "se" estivéssemos aproveitado, ainda mais, cada minuto juntos. E se sorríssemos ainda mais para as pessoas? Como seria "se"  eu teria te ouvido ainda mais? E "se" não discordássemos tanto? E "se" fossemos menos preconceituosos, limpos de um determinismo, as vezes, impostos pelas hierarquias sociais? E "se" não fossemos tão materialistas... Como seria "se" eu estivesse utilizado mais meu tempo para a coisa que verdadeiramente importa: o nós. E se fosse mais humano? Como seria "se" estivesse anulado todas as conjunções condicionais não propriamente da gramática, mas, também, da minha vida. Como seria se não mais existisse o "se", mas simplesmente: o "você".

Relato de um (pseudo) paciente.


Aos leitores, não lhes destinos a passarem pela mesma experiência que irei relatar. De um lado pela ansiedade sobre a sentença de vida, ou morte; de outro pela estranha sensação que todos sabem sobre seu apotegma: o câncer.
Tudo começa quando você, misteriosamente, fica doente. É um resfriadinho aqui e ali que nunca melhora. Até ai tudo bem! Com o passar do tempo você começa a perceber que de uns meses para cá seu peso diminuiu drasticamente; e o pior: brota um caroço, desses tímido e indeciso em sua axila esquerda. Pronto! A suma de todos os sintomas, segundo o “Google”, é claríssima: tumor maligno nos linfomas.
Já tendo o (auto)-prognostico claro, a próxima coisa que você pensa é buscar uma segunda opinião: a do oncologista. O medo cresce neste momento. Uma coisa é pensar sobre a doença, outra é ser sentenciado pela mesma. Contudo, o terrorismo começa antes de você chegar ao consultório médico. A questão primordial sobre isso é: porque sempre, as consultas médicas importantes, são marcadas em horários matutinos? É para acabar com seu dia já de manhazinha! Ou, para literalmente, já pela manhã você aparecer ao médico com cara de doente. Já que na noite anterior você não dormiu, não comeu e muito menos não... Ou passou a noite inteira nesta última atividade básica.
A clínica, além de apresentar uma decoração moderna mesclada com quadros impressionistas (que retratam que de agora em diante seu futuro nada mais é do que uma sombra, um simulacro), apresenta também o principal: os pacientes taciturnos. Estes ao te ver entrar na sala (de espera) tiram, rapidamente, os olhos da televisão e com o canto do olho te olham e pensam: linfoma. Afinal de contas, linfoma é a moda do câncer.
Sentado na sala de espera além de ficar olhando as pessoas entrarem para a consulta e retornarem, tipicamente, carecas (em outras palavras tristes, abatidas, sorumbáticas, deprimidas, infelizes e etc..); existe outro jogo, este mais calado e universal. O jogo consiste em tentar adivinhar, secretamente, o tipo de câncer que a pessoa tem ao chegar a “casa do desespero”. Meu primeiro “chute” foi ao espiar um homem que chegou, fez um gesto com a cabeça – como se cumprimentasse a todos -, sentou, grosou as pernas e se estendeu com a bacia alguns graus para a direita: câncer de próstata. O segundo homem tinha dedos e barbas amareladas, provavelmente um câncer resultante do fumo. Fiquei com a hipótese “de garganta”, aparentemente ele respirava bem, o que eliminaria o câncer de pulmão. A terceira era uma menina, que veio acompanhada da família. Fácil: leucemia. As demais mulheres que foram chegando, “chutava” ou câncer de mama, ou colo do útero. Acho que só por serem mulheres e não me darem mais nenhuma pista.
O problema de tentar distrair a cabeça assistindo televisão numa clínica de ontologia é a “lei de Murphy”. É, exclusivamente, você foca sua vida a algum noticiário que aparece: “ator Reynaldo Gianecchini inicia hoje sua quimioterapia”. O que você nota, na sala (de espera), de engolidas secas, grosadas indesejáveis de pernas e reposicionamentos da coluna no acento é quase ontológico. Os mais corajosos levantam e vão beber água. Eu particularmente nem percebi minha expressão corporal, acredito que fiquei estável.
No momento que pronunciam seu nome...! Ninguém mais... é particularmente você e a futura verdade. Você refaz os cálculos de probabilidade de sintomas, mais a quantidade de pessoas que saíram da sala feliz (isso quer dizer zero) divididas pela quantidade de forças superiores que você acredita. Feita essa formula você, literalmente, já chega ao médico com câncer. São certos seus dias daquela manhã em diante: quimioterapia. Contudo, quanto você menos espera o médico pronuncia num léxico lento e didático: “o que você tem não é câncer, é alergia a dermatophafoides farinae e dermatophagoides pteronyssinus. Ou seja, sua alergia a ácaro desestruturou seu sistema imunológico. Seu caroço no braço é resultante de outro tipo de alergia que você tem: o cloridrato de alumínio. Esta substancia encontrada em antitranspirantes fecha e causa inchamento em suas vias sudoríferas.”
O sentimento de felicidade pela “reprovação” é indescritível. Afinal, “reprovação” sobre algumas coisas sobre nossas vidas são maravilhosas. Porém, a questão principal desse relato é: ao sair da sala do médico, num momento de reflexão pensei “sairei ou não com a cara de feliz”. O ponto fundamental é que ninguém até aquele momento saíra feliz. Se sorrisse apresentaria aos demais “a reprovação”, diferentemente se saísse como entrei: preocupado; se saísse preocupado plantaria na cabeça de cada uma das pessoas taciturnas a semente da dúvida. Elas pensariam se eu estaria preocupado pela “aprovação”, ou pela “falta de um diagnóstico”. Optei por encenar pela última das cenas. Sai com cara de “preocupado”.
Ao chegar próximo ao carro, para utilizar o celular e contar a boa nova aos familiares e amigos ponderei mais uma coisa: teria, também, todas as outras pessoas do consultório fingido à cara de preocupação, amargura, agonia e doença?