A Retórica Nua tem como principal função expor alguns de meus pensamentos, idéias e textos nem um pouco acadêmicos. O objetivo é a diversão e a liberdade"nua e crua" de se escrever qualquer coisa. Sejam Bem vindos e Boa Leitura!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Relato de um (pseudo) paciente.


Aos leitores, não lhes destinos a passarem pela mesma experiência que irei relatar. De um lado pela ansiedade sobre a sentença de vida, ou morte; de outro pela estranha sensação que todos sabem sobre seu apotegma: o câncer.
Tudo começa quando você, misteriosamente, fica doente. É um resfriadinho aqui e ali que nunca melhora. Até ai tudo bem! Com o passar do tempo você começa a perceber que de uns meses para cá seu peso diminuiu drasticamente; e o pior: brota um caroço, desses tímido e indeciso em sua axila esquerda. Pronto! A suma de todos os sintomas, segundo o “Google”, é claríssima: tumor maligno nos linfomas.
Já tendo o (auto)-prognostico claro, a próxima coisa que você pensa é buscar uma segunda opinião: a do oncologista. O medo cresce neste momento. Uma coisa é pensar sobre a doença, outra é ser sentenciado pela mesma. Contudo, o terrorismo começa antes de você chegar ao consultório médico. A questão primordial sobre isso é: porque sempre, as consultas médicas importantes, são marcadas em horários matutinos? É para acabar com seu dia já de manhazinha! Ou, para literalmente, já pela manhã você aparecer ao médico com cara de doente. Já que na noite anterior você não dormiu, não comeu e muito menos não... Ou passou a noite inteira nesta última atividade básica.
A clínica, além de apresentar uma decoração moderna mesclada com quadros impressionistas (que retratam que de agora em diante seu futuro nada mais é do que uma sombra, um simulacro), apresenta também o principal: os pacientes taciturnos. Estes ao te ver entrar na sala (de espera) tiram, rapidamente, os olhos da televisão e com o canto do olho te olham e pensam: linfoma. Afinal de contas, linfoma é a moda do câncer.
Sentado na sala de espera além de ficar olhando as pessoas entrarem para a consulta e retornarem, tipicamente, carecas (em outras palavras tristes, abatidas, sorumbáticas, deprimidas, infelizes e etc..); existe outro jogo, este mais calado e universal. O jogo consiste em tentar adivinhar, secretamente, o tipo de câncer que a pessoa tem ao chegar a “casa do desespero”. Meu primeiro “chute” foi ao espiar um homem que chegou, fez um gesto com a cabeça – como se cumprimentasse a todos -, sentou, grosou as pernas e se estendeu com a bacia alguns graus para a direita: câncer de próstata. O segundo homem tinha dedos e barbas amareladas, provavelmente um câncer resultante do fumo. Fiquei com a hipótese “de garganta”, aparentemente ele respirava bem, o que eliminaria o câncer de pulmão. A terceira era uma menina, que veio acompanhada da família. Fácil: leucemia. As demais mulheres que foram chegando, “chutava” ou câncer de mama, ou colo do útero. Acho que só por serem mulheres e não me darem mais nenhuma pista.
O problema de tentar distrair a cabeça assistindo televisão numa clínica de ontologia é a “lei de Murphy”. É, exclusivamente, você foca sua vida a algum noticiário que aparece: “ator Reynaldo Gianecchini inicia hoje sua quimioterapia”. O que você nota, na sala (de espera), de engolidas secas, grosadas indesejáveis de pernas e reposicionamentos da coluna no acento é quase ontológico. Os mais corajosos levantam e vão beber água. Eu particularmente nem percebi minha expressão corporal, acredito que fiquei estável.
No momento que pronunciam seu nome...! Ninguém mais... é particularmente você e a futura verdade. Você refaz os cálculos de probabilidade de sintomas, mais a quantidade de pessoas que saíram da sala feliz (isso quer dizer zero) divididas pela quantidade de forças superiores que você acredita. Feita essa formula você, literalmente, já chega ao médico com câncer. São certos seus dias daquela manhã em diante: quimioterapia. Contudo, quanto você menos espera o médico pronuncia num léxico lento e didático: “o que você tem não é câncer, é alergia a dermatophafoides farinae e dermatophagoides pteronyssinus. Ou seja, sua alergia a ácaro desestruturou seu sistema imunológico. Seu caroço no braço é resultante de outro tipo de alergia que você tem: o cloridrato de alumínio. Esta substancia encontrada em antitranspirantes fecha e causa inchamento em suas vias sudoríferas.”
O sentimento de felicidade pela “reprovação” é indescritível. Afinal, “reprovação” sobre algumas coisas sobre nossas vidas são maravilhosas. Porém, a questão principal desse relato é: ao sair da sala do médico, num momento de reflexão pensei “sairei ou não com a cara de feliz”. O ponto fundamental é que ninguém até aquele momento saíra feliz. Se sorrisse apresentaria aos demais “a reprovação”, diferentemente se saísse como entrei: preocupado; se saísse preocupado plantaria na cabeça de cada uma das pessoas taciturnas a semente da dúvida. Elas pensariam se eu estaria preocupado pela “aprovação”, ou pela “falta de um diagnóstico”. Optei por encenar pela última das cenas. Sai com cara de “preocupado”.
Ao chegar próximo ao carro, para utilizar o celular e contar a boa nova aos familiares e amigos ponderei mais uma coisa: teria, também, todas as outras pessoas do consultório fingido à cara de preocupação, amargura, agonia e doença?

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