A Retórica Nua tem como principal função expor alguns de meus pensamentos, idéias e textos nem um pouco acadêmicos. O objetivo é a diversão e a liberdade"nua e crua" de se escrever qualquer coisa. Sejam Bem vindos e Boa Leitura!

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Odes a Allen Ginsberg: o des(uivo) nacional.

Eu vejo os expoentes da minha nação sendo destruídos  pelo vírus da "sertanejite". Vejo-os deitados, levados pelas melodias de acordes básicos, tão simples, tão fácil... Tão comercial! As madrugadas sem os trompetes celestiais com o dínamo estrelado da maquinaria da noite, saem de cena para a falsa identidade sertaneja: botas nunca sujas de barro,  mãos (des)calejadas viajam sentadas em representações imaginarias do tão escuro baile de máscara  dos miseráveis  jovens que não sabem o que são, da onde vêem e muito menos: pra onde vão? Não há  água ardente, flutuando pelas gargantas. Não há identidade. Guimarães... Cunha... Por que tentaram retratar o sertão? Se o que  sobra do sertão não é mais contado em histórias populares. Tudo é como Canudos do século XXI: submerso.  Cérebros ao céu e anjos maometanos viram espasmos de diabos cambaleados por ruídos contínuos de bares, boates... Chapéus radiam o Interior que ninguém conhece, que não existe. Peões são expulsos das factualidades por serem poucos reais, menos humanos. São produzidos e consumidos. Cidadães repetem odes obscenas nas janelas do crânio, que se refugiam em baladinhas de pintura descascada em roupa de baixo queimando seu dinheiro em cestas de papel, escutando o Terror através da parede. Eles choram diante do romance das ruas com os seus carrinhos de mão cheios de cebola e péssima música. 
           
Desumanizados sentam nos degraus de granito do manicômio com cabeças tampadas de chapeis à peão e fala de arlequim sobre os "ão", exigindo lobotomia imediata. Não há, nunca haverá o novo! O vazio concreto da insulina metrasol do toque eléctrico da viola gera amnésia, que num protesto sem humor viraram apenas uma mesa simbólica da amargura, mergulhando logo a seguir a catatonia, voltando anos depois, realmente calvos com uma peruca de esporas, lágrimas e dedos para a visível condenação de (pseudo) neofílicos nas celas das cidades. Todos ficam agitando, rolando e balançando no banco da solidão à meia-noite dos domínios de mausoléu druídico do amor, o sonho da vida vira um pesadelo, corpos transformados em pedras tão pesadas quanto a lua e o último livro fantástico é atirado pela janela do cortiço.

A última porta é fechada às 4 da madrugada. O último telefone é  arremessado contra a parede em resposta e o último quarto mobilado esvaziado até à última peça de mobília mental, uma rosa de papel amarelo retorcida num cabide de arame do armário e até mesmo isso é imaginário, nada mais que um bocadinho esperançoso de alucinação —  ah, nação, enquanto tu não estiveres a salvo eu não estarei a salvo e agora tu estás inteiramente mergulhada no caldo animal total do desprezo —  e que por isso correram pelas ruas geladas obcecados por um súbito clarão da alquimia do uso da elipse do catálogo de rimas simplórias  que sonharam e abriram brechas encantadas no popular através de imagens justapostas que capturaram o arranjo da inutilidade do léxico e reuniram os verbos descartáveis e juntaram o substantivo e o choque de consciência saltando numa sensação de "Pater Omnipotens Aeterni Deus", para copiar a sintaxe e a medida da pobre prosa humana e ficar estagnados, mudos e trémulos de vergonha, rejeitados todavia, expondo a alma ignóbil, conformando-se ao ritmo do pensamento da sua cabeça nua e limitada,  conhecido mas mesmo assim deixado aqui o que houver para ser dito ao povo após o gozo. São todos reencarnados na roupagem fantasmagórica do novo espectro de violão dourado da banda musical que fazem soar o sofrimento da mente nua do Brasil pelo amor num grito de "ai ai" que fez com que as cidades tremessem até ao seu último rádio, com o coração absoluto do (des)uivo da vida arrancado para fora dos seus corpos bons para consumir por mais quinhentos anos o ruim. 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Condições Condicionais Cotidianas


Minha querida, minha ficha caiu. Não pelo medo de nunca mais te ver. Não pelo fato de, após algumas décadas, eu utilizar a frase "na minha época" com ufanismo. Muito menos pelas horas que passarei observando as mudanças fisiológicas no espelho em determinado momento. A minha ficha caiu pela possibilidade do "se"Como seria "se" estivesse segurado mais a sua mão. E "se" a beijasse ainda mais? Como seria "se" estivesse usado mais os verbos "amar", "sorrir" e "agradecer" não apenas no pensamento, mas também em minhas ações. Como seria "se" estivéssemos aproveitado, ainda mais, cada minuto juntos. E se sorríssemos ainda mais para as pessoas? Como seria "se"  eu teria te ouvido ainda mais? E "se" não discordássemos tanto? E "se" fossemos menos preconceituosos, limpos de um determinismo, as vezes, impostos pelas hierarquias sociais? E "se" não fossemos tão materialistas... Como seria "se" eu estivesse utilizado mais meu tempo para a coisa que verdadeiramente importa: o nós. E se fosse mais humano? Como seria "se" estivesse anulado todas as conjunções condicionais não propriamente da gramática, mas, também, da minha vida. Como seria se não mais existisse o "se", mas simplesmente: o "você".

Relato de um (pseudo) paciente.


Aos leitores, não lhes destinos a passarem pela mesma experiência que irei relatar. De um lado pela ansiedade sobre a sentença de vida, ou morte; de outro pela estranha sensação que todos sabem sobre seu apotegma: o câncer.
Tudo começa quando você, misteriosamente, fica doente. É um resfriadinho aqui e ali que nunca melhora. Até ai tudo bem! Com o passar do tempo você começa a perceber que de uns meses para cá seu peso diminuiu drasticamente; e o pior: brota um caroço, desses tímido e indeciso em sua axila esquerda. Pronto! A suma de todos os sintomas, segundo o “Google”, é claríssima: tumor maligno nos linfomas.
Já tendo o (auto)-prognostico claro, a próxima coisa que você pensa é buscar uma segunda opinião: a do oncologista. O medo cresce neste momento. Uma coisa é pensar sobre a doença, outra é ser sentenciado pela mesma. Contudo, o terrorismo começa antes de você chegar ao consultório médico. A questão primordial sobre isso é: porque sempre, as consultas médicas importantes, são marcadas em horários matutinos? É para acabar com seu dia já de manhazinha! Ou, para literalmente, já pela manhã você aparecer ao médico com cara de doente. Já que na noite anterior você não dormiu, não comeu e muito menos não... Ou passou a noite inteira nesta última atividade básica.
A clínica, além de apresentar uma decoração moderna mesclada com quadros impressionistas (que retratam que de agora em diante seu futuro nada mais é do que uma sombra, um simulacro), apresenta também o principal: os pacientes taciturnos. Estes ao te ver entrar na sala (de espera) tiram, rapidamente, os olhos da televisão e com o canto do olho te olham e pensam: linfoma. Afinal de contas, linfoma é a moda do câncer.
Sentado na sala de espera além de ficar olhando as pessoas entrarem para a consulta e retornarem, tipicamente, carecas (em outras palavras tristes, abatidas, sorumbáticas, deprimidas, infelizes e etc..); existe outro jogo, este mais calado e universal. O jogo consiste em tentar adivinhar, secretamente, o tipo de câncer que a pessoa tem ao chegar a “casa do desespero”. Meu primeiro “chute” foi ao espiar um homem que chegou, fez um gesto com a cabeça – como se cumprimentasse a todos -, sentou, grosou as pernas e se estendeu com a bacia alguns graus para a direita: câncer de próstata. O segundo homem tinha dedos e barbas amareladas, provavelmente um câncer resultante do fumo. Fiquei com a hipótese “de garganta”, aparentemente ele respirava bem, o que eliminaria o câncer de pulmão. A terceira era uma menina, que veio acompanhada da família. Fácil: leucemia. As demais mulheres que foram chegando, “chutava” ou câncer de mama, ou colo do útero. Acho que só por serem mulheres e não me darem mais nenhuma pista.
O problema de tentar distrair a cabeça assistindo televisão numa clínica de ontologia é a “lei de Murphy”. É, exclusivamente, você foca sua vida a algum noticiário que aparece: “ator Reynaldo Gianecchini inicia hoje sua quimioterapia”. O que você nota, na sala (de espera), de engolidas secas, grosadas indesejáveis de pernas e reposicionamentos da coluna no acento é quase ontológico. Os mais corajosos levantam e vão beber água. Eu particularmente nem percebi minha expressão corporal, acredito que fiquei estável.
No momento que pronunciam seu nome...! Ninguém mais... é particularmente você e a futura verdade. Você refaz os cálculos de probabilidade de sintomas, mais a quantidade de pessoas que saíram da sala feliz (isso quer dizer zero) divididas pela quantidade de forças superiores que você acredita. Feita essa formula você, literalmente, já chega ao médico com câncer. São certos seus dias daquela manhã em diante: quimioterapia. Contudo, quanto você menos espera o médico pronuncia num léxico lento e didático: “o que você tem não é câncer, é alergia a dermatophafoides farinae e dermatophagoides pteronyssinus. Ou seja, sua alergia a ácaro desestruturou seu sistema imunológico. Seu caroço no braço é resultante de outro tipo de alergia que você tem: o cloridrato de alumínio. Esta substancia encontrada em antitranspirantes fecha e causa inchamento em suas vias sudoríferas.”
O sentimento de felicidade pela “reprovação” é indescritível. Afinal, “reprovação” sobre algumas coisas sobre nossas vidas são maravilhosas. Porém, a questão principal desse relato é: ao sair da sala do médico, num momento de reflexão pensei “sairei ou não com a cara de feliz”. O ponto fundamental é que ninguém até aquele momento saíra feliz. Se sorrisse apresentaria aos demais “a reprovação”, diferentemente se saísse como entrei: preocupado; se saísse preocupado plantaria na cabeça de cada uma das pessoas taciturnas a semente da dúvida. Elas pensariam se eu estaria preocupado pela “aprovação”, ou pela “falta de um diagnóstico”. Optei por encenar pela última das cenas. Sai com cara de “preocupado”.
Ao chegar próximo ao carro, para utilizar o celular e contar a boa nova aos familiares e amigos ponderei mais uma coisa: teria, também, todas as outras pessoas do consultório fingido à cara de preocupação, amargura, agonia e doença?